Depois de muito tempo ele tomou coragem. Tirou o pano fedido de cima da tela do computador. Limpou as letras sujas do teclado e esticou as mãos. Devagar ele abriu o peito deixando que as letras escorressem pela ponta dos dedos:
– Eu ainda penso em você. Por mais que eu finja, fuja e fale que não, ainda tem um pouquinho de você na mesa do café, naquele copo que você gostava, sabe? Ainda tem um pouquinho de você na tela que eu pinto. No lado mais fundo do colchão, não que você seja gorda…. Ainda tem você. No sonho, no frio, no medo. No desejo. Tem você em cabelos no chão do meu banheiro. Tem você no barulho do chaveiro abrindo a porta. Tem você no cheiro da minha camisa. Tem gestos seus nos meus. No meu gosto. Na minha língua. Então se tiver desistido daquele sonho besta, se já tiver vivido tudo o que queria, se já quebrou a cara, chorou, amou, se já se deu conta que aquilo que procura não existe, se existe é só de mentirinha. Enfim, se já estiver pronta. Por favor me procure, assim rapidinho, só pra eu ter certeza que aquela que deixou os cabelos no meu travesseiro já não é a mesma, que aquela que deixou os cabelos talvez tenha sido inventada por mim e que talvez nunca tenha existido. Me procure, pra que eu possa também ser outro.
Terminou de escrever e ficou ali, pensando, durante 20 minutos se devia ou não devia mandar o email. 20 longos minutos que criaram milhares de respostas possíveis, tentou também imaginar o que ela pensaria ao ler o recado, mas isso era impossível. Com um frio no peito e a graça do desafio esticou novamente as mãos. E como seus dedos estavam ali tão perto do ENTER, apertou, como quem desconhece o porque.