Uma linda menininha de olhos claros, daquelas com cara de sapeca e que encanta qualquer adulto, pula de pé em pé. Seus cabelos acompanham o saltitar. Em sua mão esquerda ela puxa uma negra, como se fosse sua. A pequena nunca foi educada pelos pais, e admira muito a negra que executa todos os seus pedidos. Mas o dia de hoje cheira a tragédia:
– Parada! –gritou a pequena branquinha-
Ela parou.
– Fingi de morta!
Ela fingiu.
– Não respira! Sem respirar!
Ela prendeu a respiração. A menina ria muito e na sua inocência achava que a negra também se divertia.
– Se você fosse branca já ia estar roxinha. – ria a branquinha. A negra lá, estendida no chão-
– Cansei dessa brincadeira Dalva! Dalva! Daaaalva!
A menina subiu em cima da negra.
– Quero brincar de cavalo! Cavalo. Dalva? Dalva?
A menina cutucou a negra. Já um pouco assustada.
– Dalva? Pode respirar. Dalva!
A menina colocou a orelha no peito da negra para ouvir seu coração -ela não tinha preconceitos, nunca teve-.
– Bate coração! Bate coração da Dalva! –mas ele já não batia mais-
A pequena correu para o pai, chorando muito.
– Eu matei a negra! Pai, eu matei a negra! –na frente do pai a pequena nunca dizia Dalva, era negra- Mandei ela parar de respirar!!
– Papai compra outra pra você.
– Mas pai, eu matei!
– Não matou filinha…
– Mas ela fazia tudo o que eu mandava!
A pequena correu. Foi chorar num canto enquanto os bombeiros colocavam o corpo no saco preto.
Dois dias e a menina ainda não tinha superado a crise. O pai tentou arrumar outra negra, mas a pequena recusou. Então tentou conversar com sua filha –esse foi o segundo ensinamento do pai- :
– Minha pequena. Você não matou ela.
– Mas pai…
– Não tem mas. Ela não fazia tudo o que você queria. Tudo bem, as vezes fazia, mas lá no fundo, no seu intimo, tudo o que ela queria era desobedecer você. Obedecia por obrigação. Quase sempre.
– Não é. Ela gostava de mim. Eu sei que gostava!
– Mas filinha, entende o que o papai ta te falando. Ela nunca ia deixar de respirar porque você mandou. Isso não tem cabimento. As vezes ela fazia as coisas, mas por dentro discordava de você.
– Então por que ela fazia?
– Porque assim que é… O papai vai comprar outra você. Uma bem legal, e mais jovem. Branca dessa vez!
– Eu gosto das velhas…
– O papai prefere uma novinha, pode ser?